Imagens do Oriente 2010

O patrimônio cultural dos amantes do cinema no Oriente Médio, sejam eles árabes, iranianos ou turcos, entre outros, passa invariavelmente pelo contato com os clássicos egípcios que agora apresentamos em São Paulo, pela primeira vez. Não poderia ser diferente. O Egito foi pioneiro na filmografia em língua árabe, permanecendo, desde o seu nascimento por volta de 1925 até a década de 1960, como fonte da maior parte dessas produções exibidas em toda a região. Os anos de 1952 a 1970 são considerados o período de maior projeção, sobretudo em torno de 1960, quando a nacionalização da sua indústria cinematográfica permite o desenvolvimento da tendência realista, no lugar da anterior proliferação de produções comerciais distantes do contexto social do país.

De fato, a maioria dos grandes clássicos egípcios aqui selecionados pertence à tendência realista ou romântico-realista. Situam-se no alto Nilo rural, no Sul do país, e remetem ao conflito de classes, à degradação social e à perda de valores como a solidariedade. Vários tratam de honra e vingança sob diversos prismas. A mostra traz também, com Algodão-doce, de 1949, um grande exemplo do gênero musical leve, uma das características do início da década de 1950. E volta à comédia, dessa vez combinada ao realismo, em A segunda esposa, de 1967, considerado um modelo charmoso dessa mistura de estilos bastante explorada ao longo dos anos 1960. A orientação realista abarca um interesse crescente por questões do progresso egípcio, bem como o lugar da mulher na sociedade e seu direito de definir a si mesma. A mostra incorpora um filme mais recente, O colar e a pulseira, rodado em 1986 por Khairy Bishara, que se baseou no romance homônimo de Yahya Taher Abdullah. Nesses clássicos contamos com alguns dos principais atores da história do cinema árabe, como Faten Hamama, a doce diva do cinema egípcio, que inocentemente levava os homens aos seus pés como se constata em O desejo da garça, de 1959. Teremos também a oportunidade de ver, em Algodão-doce, a última atuação do grande Naguib al Rihani, falecido no mesmo ano de sua realização e imortalizado como o “Charlie Chaplin do Oriente”. Já em Algum medo, de 1969, atuam juntos o irresistível Yehia Chahine e Shadia, atriz e cantora que possui, até hoje, seu próprio séquito de admiradores.

Caminho e Caminham Atrás de Mim as Estrelas Dentre os diretores, Youssef Chahine deixou uma vasta cinematografia, sendo A terra, de 1969, considerado seu maior trabalho. Não menos importante, conheceremos A múmia, o único filme completo de Chadi Abdel Salam. A noite da passagem dos anos, de 1969, propõe uma visão particular e fora do lugar comum, em sintonia com o mundo moderno e ao mesmo tempo nutrindo-se das sedimentações das raízes originais islâmicas e árabes. Henry Barakat, vale a pena ressaltar, era dono de um estilo romântico e de uma direção considerada elegante, simples e sutil que atinge o ápice em O desejo da garça. Todos os filmes da mostra, porém, vêm de diretores que marcaram o cinema árabe, cada um à sua maneira, como Salah Abouseif, Tawfik Saleh, Anwar Wagdi, Hussein Kamal e Khairy Bishara.

Aqui cabe dizer que Imagens do Oriente só cumpre seu objetivo pelas parcerias que reúne: os que nos acolhem desde o início, como a Secretaria de Cultura do Município de São Paulo e o Instituto da Cultura Árabe; o Sesc-SP (Serviço Social do Comércio) e o Centro de Estudos Árabes da Universidade de São Paulo. E aqueles que, este ano, disponibilizaram e possibilitaram a vinda dos filmes, ou seja, o Ministério da Cultura da República Árabe do Egito e o Consulado do Egito no Rio de Janeiro. Nosso muito obrigado a todos os que se envolveram com o projeto e também às instituições que apoiam essa iniciativa, como a Cinemateca Brasileira, a Embaixada do Brasil no Egito, a Imprensa Oficial, além da Fundação Caipirinha e da ArteEast de Nova Iorque.

Para finalizar, acrescentamos que a história do cinema árabe revelada na exibição de alguns dos maiores clássicos do cinema egípcio é, inclusive, nossa maneira de prestar homenagem aos 130 anos da imigração árabe ao Brasil. Claro que o imaginário do Egito não pode ser generalizado aos demais países árabes, cada qual com suas próprias especificidades. Mas sendo este o berço de todo o vasto e diversificado cinema árabe, ficam aqui consignados nossos sinceros cumprimentos.

Arlene Clemesha e Marcia Camargos